‘O Brasil tem de mudar para crescer’, diz presidente da Latam Brasil
Para a executiva, País passa por um processo de amadurecimento, mas precisa se tornar mais competitivo
Luciana Dyniewicz e Mônica Scaramuzzo
O Estado de S.Paulo
08 Janeiro 2017 | 05h00
Em meio à turbulência econômica e política que vem se arrastando, a executiva Claudia Sender, presidente da Latam Brasil, acompanha com atenção os próximos passos do governo e suas medidas para tentar retomar o crescimento. Para ela, o País vive um círculo vicioso que vem impedindo a retomada dos investimentos, já que a incerteza afasta os investidores. E cita um exemplo dessa confusão: em 13 de dezembro, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) aprovou regra que permitia a cobrança pelo transporte das bagagens dos passageiros, mas a regra foi suspensa pelo Senado no dia seguinte. “Me surpreendeu o que aconteceu. Traz insegurança em um momento que o Brasil precisa de investimento estrangeiro”, disse.
Formada em engenheira química pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), Claudia Sender tem MBA pela Harvard Business School e é presidente da Latam Brasil desde 2013.
O ano que passou foi de turbulência econômica e política e as perspectivas para 2017 não são nada animadoras para a economia…
O ano (de 2016) acentuou esse caldeirão de mistura de crise política com econômica, difícil de desembaraçar. Foi um ano que torcemos para acabar logo. Mas foi um ano definidor de muitas coisas. Trocamos de presidentes (da República e da Câmara), além de uma série de ministros. Isso mostra que a pressão da rua tem funcionado. A gente vê que o povo tem uma voz, que está aprendendo seu caminho. Muito pouco tempo depois das eleições (de 2014), o brasileiro já voltou às ruas. Isso é um processo de amadurecimento.
Muitos empresários acreditavam que o pior momento da crise já tinha passado, mas recentes delações (de diretores do Grupo Odebrecht) comprometeram integrantes do atual governo.
A Lava Jato hoje é imponderável. Difícil saber o que vai sair. As delações maiores estão começando, mas é preciso que se comprovem (as denúncias). É difícil saber quem vai ser o próximo, quem mais será impactado. Como cidadã brasileira, espero que as instituições continuem agindo. Tomara que com mais velocidade, porque a nossa Justiça ainda é muito lenta. Infelizmente.
Qual o impacto dessa crise toda para o setor aéreo e quais suas perspectivas para 2017?
Essa modorra que estamos vivendo faz com que reformas importantes levem mais tempo para passar e faz com que o investidor demore mais para recuperar a confiança. É um círculo vicioso que estamos vivendo, em que não se destravam concessões nem investimentos. Quase todos os aeroportos estão pedindo reequilíbrio econômico, porque as regras que foram estabelecidas são impraticáveis. Olhando para frente: o que vai mudar? Essas dúvidas trazem incertezas para o investidor. A verdade é que o Brasil continua caro, com taxas de juros altas e um grande passivo trabalhista.
E como fica a Latam Brasil nesse contexto?
O ano de 2016 foi muito duro para as companhias do setor aéreo em geral. Foi o primeiro ano em que vimos, após muito tempo, uma real retração na demanda. Quase todas as companhias reduziram suas ofertas. Tivemos uma combinação nociva do dólar (alto), de aumento de custos por conta da inflação e de uma demanda que se retraiu.
Como se resolve essa equação?
Reduzindo capacidade. A gente sai de mercados menos rentáveis para focar onde há mais demanda. O Brasil tem de mudar para destravar o crescimento. Tem de mudar essa visão de que temos de proteger e tutelar o passageiro.
Como a sra. vê a condução das concessões dos aeroportos que o governo está preparando?
Os editais continuam focados em conseguir a melhor outorga, e não necessariamente acordos mínimos de qualidade de prestação de serviço, seja para o passageiro, seja para as companhias. Corremos o risco de cair no mesmo modelo do passado. Acreditamos na universalização do transporte aéreo, mas imagina o que é para uma aérea vender uma passagem a R$ 100 se ela vai ter de compensar o passageiro por algo que não é responsabilidade dela (atraso por mau tempo, por exemplo). Que estímulo tem?
E há estímulo?
Existe espaço para desenvolver. O Brasil é um país continental e precisa (de transporte aéreo). Não é um luxo. O Brasil tem menos de meia viagem por habitante por ano. Na Inglaterra, esse número é três e meio. Imagina se o Brasil vai de meio para um? A gente pode dobrar o tamanho da nossa aviação. O que é preciso? Infraestrutura e competitividade de custo, que o Brasil não tem.
Como vai funcionar a venda de serviços nos voos, como lanche?
Seremos capazes de ter uma oferta mais segmentada para que o passageiro tenha opção. Daremos a opção para o consumidor contratar o que precisa.
A Latam pensa em migrar para o segmento ‘low cost’ (baixo custo)?
O modelo de custos do Brasil não permite a entrada de uma ‘low cost’. Quando se vê o que se paga hoje de indenização quando um passageiro processa a companhia, o modelo ‘low cost’ se torna inviável. O brasileiro poderia ter acesso a um transporte mais barato, se as leis fossem flexíveis.
Há expectativas de retomada de voos e demanda em 2017?
Não. Na melhor das hipóteses, deve ter uma estabilidade.
Como vê a entrada de investidores estrangeiros no setor?
A Latam valoriza a concorrência. A gente não é a favor de barreiras de entrada. Precisamos levar o Brasil para o mesmo patamar de competitividade do resto do mundo.
A sra. fala de entraves no Brasil, mas a crise aérea não é global?
Existem modelos sustentáveis. Tem empresas, como a Southwest, que todos os anos gera valor para seu acionista.
É uma exceção?
Não necessariamente. Pega a Easyjet, uma Ryanair. O que mostra que os modelos sustentáveis são aqueles que dão opção ao consumidor.
Mas são empresas low cost.
Mas não são as únicas. O nosso trabalho é fazer com que essa indústria seja cada vez mais viável. É uma indústria cuja cadeia de valor tem sido muito questionada. Precisamos construir mecanismos de flexibilidade para conseguir responder a esses grandes choques.