Por: Hugo Cilo, de Montevidéu
A menor economia do Mercosul, com uma população equivalente à da zona Leste de São Paulo, se descola dos vizinhos em crise e continua atraindo multinacionais. Saiba por que companhias como Merck, Citi e Shimadzu escolheram o país como sua base para a região.
Dovat, da zonamerica:“Queremos fazer com que o ambiente favorável para os negócios do Uruguai contamine nossos vizinhos e impulsione a economia da região, que hoje tanto precisa” ( foto: João Castellano/istoé)
A o desembarcar no moderno Aeroporto Internacional de Carrasco, em Montevidéu, logo se percebe que há um cheiro diferente no Uruguai, que chamou a atenção do mundo ao se tornar, no ano passado, o primeiro país latino-americano a permitir o consumo recreativo da maconha. Mas não estamos falando do característico odor da cannabis sativa: o contraste se dá mesmo é na economia, quando comparado, principalmente, aos seus dois vizinhos gigantes, Brasil e Argentina. Automóveis recém-lançados pelas montadoras alemãs Mercedes-Benz e Audi, além de modelos luxuosos da Lexus e da Volvo, ficam expostos pelo saguão de embarque e desembarque do terminal aéreo, com preços que mal dariam para comprar a versão mais em conta de um Toyota Corolla no Brasil. Na casa de câmbio, a surpresa continua. Sem qualquer documento, questionário ou burocracia, trocar real por pesos, pesos por dólar, real por euro, ou qualquer outra moeda disponível, é uma operação financeira tão simples e rápida como a compra de uma lata de refrigerante na lanchonete.
Não são, no entanto, nem os carros luxuosos no aeroporto nem a agilidade da conversão das moedas que têm feito do Uruguai uma exceção no Mercosul, formado também pelo Paraguai e pelos os recessivos Brasil, Argentina e Venezuela. Nos últimos anos, o pequeno país de 3,4 milhões de habitantes, equivalente à população da zona Leste da cidade de São Paulo, fez a lição de casa para reduzir sua dependência dos instáveis vizinhos. Replicando o bem-sucedido processo de internacionalização promovido pelo Chile durante mais de quatro décadas, o Uruguai apostou em um modelo de exportações e fortalecimento do ambiente de negócios para atrair multinacionais e, por consequência, os investimentos. Atual-mente, o Uruguai, que deve registrar um crescimento de 3% a 4% no PIB, mantém 12 Zonas Francas, com mais de 800 empresas estrangeiras. O Brasil e a Argentina possuem apenas duas, respectivamente em Manaus e na Terra do Fogo, no extremo Sul do continente. “As zonas francas do Uruguai se tornaram um oásis para as empresas na América do Sul”, afirma o sub-secretário de Economia e Finanças do país, Pablo Ferreri, homem-forte do presidente Tabaré Vazquez e principal nome cotado para sucedê-lo. “Se não fossem as empresas instaladas, hoje, nossa economia estaria agonizando em razão das crises no Brasil e na Argentina.”
Uma das principais responsáveis pela solidez da economia uruguaia está a menos de 15 minutos do centro de Montevidéu. A Zonamerica, a maior zona franca do país, responsável por 1,8% do PIB de US$ 55,7 bilhões, em 2014, acaba de superar a marca de 350 empresas instaladas em uma área de 92 hectares onde, por mais de um século, funcionou um colégio agrícola. A Zonamerica foi, inclusive, eleita a melhor zona franca das Américas pelo jornal britânico Financial Times. É lá, por exemplo, que o laboratório alemão Merck orquestra todas as suas operações de medicamento de alta complexidade na América Latina, especialmente biomedicamentos e drogas utilizadas no combate ao câncer e ao HIV. “O Uruguai caiu como uma luva para nós, já que precisávamos estar próximos às maiores economias do continente sem ter de enfrentar a burocracia e os custos que existem no Brasil e na Argentina”, diz o diretor-geral da Merck uruguaia, Pablo González. “Se a mesma operação de distribuição que mantemos aqui estivesse no Brasil, nossos custos seriam, no mínimo, duas vezes maiores.”
As vantagens de operar em uma zona franca, que isenta de impostos qualquer operação de exportação de produtos ou serviços, foram decisivas para que a japonesa Shimadzu, fabricante de equipamentos de análises clínicas e de diagnósticos, decidisse instalar no Uruguai, há quase dois anos, sua sede para a América Latina e o seu maior centro de distribuição. Embora o mercado brasileiro represente 75% de seus negócios no continente, os custos operacionais motivaram os executivos da empresa a cruzar a fronteira, segundo o presidente para a América do Sul, Akihiko Kato. “Nossa economia, por operar a partir do Uruguai, supera os US$ 3 milhões por ano”, afirma o executivo, que mora e trabalha na capital paulista, gerenciando os negócios na ponte-aérea São Paulo-Montevidéu. O banco americano Citi, a Caterpillar e a agência de viagens argentina Decolar.com (em espanhol se chama Despegar.com) também escolheram Montevidéu como sua principal base de operações na região.O modelo que vem sustentando o crescimento da economia uruguaia será exportado para outros mercados.
A Zonamerica, empresa 100% privada, está construindo na cidade de Cali, na Colômbia, uma zona franca com foco em tecnologia e serviços. Com investimentos de US$ 300 milhões, a primeira parte do complexo começará a operar em novembro deste ano. Em junho de 2016, o empreendimento deverá estar completamente pronto. “Vamos replicar o que deu certo no Uruguai em qualquer outro país que esteja disposto a aprimorar sua economia”, afirma Orlando Dovat, presidente da Zonamerica e fundador da zona franca, em 1992. “Queremos fazer com que o ambiente favorável para os negócios do Uruguai contamine nossos vizinhos e impulsione a economia da região, que hoje tanto precisa.”O jornalista viajou a convite da Zonamerica