Exportação de carne brasileira pode ser afetada pela operação da PF, diz setor
Denúncias abalam reputação da BRF e JBS e podem prejudicar vendas no exterior; JBS é líder mundial em carnes e exporta para 150 países; BRF é dona de 14% do mercado de aves.
Por Taís Laporta, G1
17/03/2017 20h23 Atualizado há 9 horas
O escândalo de venda de carne “maquiada” e de pagamento de propina a fiscais sanitários deflagrado nesta sexta-feira (17) tem potencial de manchar a reputação no exterior de duas das maiores exportadoras do produto no mundo – BRF e JBS – e também prejudicar a recuperação do agronegócio no Brasil, que encolheu 6,6% em 2016, acreditam especialistas do setor ouvidos pelo G1.
As gigantes do setor de alimentos foram citadas na Operação Carne Fraca. As duas empresas são acusadas de subornar funcionários do governo para conseguir melhores avaliações em auditorias sanitárias.
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A BRF é ainda acusada de pagar propina para evitar o fechamento de uma unidade em Mineiros (GO), que produz aves para exportação, e que teria exportado carga contaminada, segundo informações na decisão da Justiça Federal. O Ministério da Agricultura fechou a unidade da BRF nesta sexta-feira à tarde.
O receio dos investidores no impacto que a Operação Carne Fraca terá nos negócios nas gigantes de carne brasileira já se refletiu na cotação de suas ações nesta sexta-feira. As ações da BRF e da JBS lideraram as perdas do Ibosvepa e caíram, respectivamente, 7,25% e 10,59%.
Dona das marcas Sadia e Perdigão, a BRF tem 47 fábricas no Brasil e exporta para 120 países. A BRF é dona de 14% do mercado de aves mundial. Já a JBS é o maior frigorífico do mundo, dono das marcas Friboi, Seara, Swift, Pilgrim’s Pride e exporta para 150 países.
Risco às exportações
O presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, vê chances de outros países barrarem a exportação de carne do Brasil. A fábrica da BRF que foi fechada tem cerca de 80% de sua produção exportada.
“Neste momento há navios cheios de carne brasileira a caminho de outros países. Se exames comprovarem alguma irregularidade, eles podem até cancelar os pedidos e proibir o desembarque da mercadoria e a situação pode complicar mais”, diz Castro.
O Brasil conquistou recentemente grandes mercados de carne bovina como a China, terceira maior compradora do produto nacional em 2016, atrás de Hong Kong e União Europeia, segundo dados da Abiec (Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes Industrializadas). O país é o maior exportador de carne bovina do mundo e o segundo maior produtor, atrás somente dos Estados Unidos.
“A carne bovina do Brasil levou muitos anos pra conseguir chegar a países importantes como o Japão e a comunidade europeia. Agora essa conquista pode estar em risco”, diz o sócio-diretor da consultoria Mesa Corporate, Luiz Marcatti.
O escândalo acontece em um momento em que o setor de carne tenta expandir as vendas para países como Coreia do Sul, Taiwan, Indonésia, Canadá, México e Japão
O escândalo acontece em um momento em que o setor de carne tenta expandir as vendas para países como Coreia do Sul, Taiwan, Indonésia, Canadá, México e Japão, que tem um alto nível de exigência de qualidade. No ano passado, o Brasil embarcou 1,4 milhão de toneladas de carne bovina para outros países, mas o faturamento das empresas caiu 7%, em função da queda do dólar.
Segundo o presidente da AEB, o Brasil não corre risco de perder a liderança na venda de carne no mundo porque o mercado é dominado por poucos fornecedores. Os outros grandes exportadores de carne no mundo são Estados Unidos e Austrália. “Não existem muitos fornecedores alternativos para substituir o Brasil”, acrescenta.
Contudo, o escândalo deflagrado pela PF pode levar compradores do produto brasileiro a fazer pressão por uma redução dos preços da carne brasileira, alegando queda na qualidade, diz Castro. “Eles podem passar a exigir preços menores, como se fosse ‘carne de segunda'”, avalia.
Efeitos para o mercado interno
Uma eventual queda nos preços da carne no mercado internacional, caso as exportações sejam afetadas, se traduziria em imediata perda de receita para empresas como BRF e JBS. A carne barrada no exterior também pode forçar uma redução da produção no Brasil. “Isso teria um possível reflexo em perdas de empregos no setor”, acredita Castro.
O agronegócio sofreu uma forte retração em 2016, mas uma supersafra de grãos como milho e soja é esperada para 2017 como esperança de recuperação do setor. “Parte destes grãos é consumida pelas indústrias de frango e carne bovina. Se o mercado da carne for afetado, pode haver um excedente destes grãos e puxar os preços das commodities para baixo”, diz o presidente da AEB.
Reputação abalada
Marcatti, da Mesa Corporate, considera que a imagem das grandes empresas do setor é fortemente afetada pela operação, uma vez que companhias como JBS e BRF têm ações na bolsa e são constantemente cobradas para cumprir rigorosas regras de governança.
Entre as consequências de uma má reputação, ele coloca em dúvida inclusive a capacidade destas empresas em concluir a aquisição de ativos no exterior. Recentemente, a JBS anunciou a compra da empresa de produtos suínos norte-americana Plumrose por US$ 230 milhões. “Não sei se eles conseguirão captar dinheiro de investidores tão facilmente depois deste escândalo”, diz.
Lucro menor e prejuízo nos balanços
A JBS teve um lucro 91,9% menor em 2016, de R$ 376 milhões, e atribuiu o resultado à queda do consumo no país, ao impacto da valorização do real frente ao dólar nas exportações e à redução da oferta de insumos, particularmente do milho.
A empresa, que opera em mais de 20 países e está preparando uma oferta pública inicial (IPO) de suas operações internacionais, estimou em seu último balanço um ambiente melhor de negócios neste ano.
A BRF também não teve bons resultados em 2016. De janeiro a dezembro do ano passado, o prejuízo líquido atingiu R$ 372 milhões, contra um lucro líquido de R$ 2,928 bilhões em 2015.
Marcatti não acredita em um risco imetiato de rebaixamento das notas de crédito destas empresas. “Isso é mais plausível se o escândalo se traduzir em números negativos para a empresa, como uma provisão no balanço para despesas judiciais que podem afetar o potencial de resultado da empresa”, diz.
A resposta das gigantes do setor para evitar estragos na reputação precisa ser imediata, comenta Marcatti. “Elas terão que fazer um grande trabalho de gerencimento de crise de imagem e provar que estão corrigindo o erro se ele de fato existir”, diz.
Para Castro, a AEB, os desdobramentos negativos podem chegar inclusive a outras empresas do setor que não foram citadas na operação, caso compradores de outros países passem a exigir um controle de qualidade mais rígido dos produtos brasileiros.
O que dizem as empresas
Em nota, a JBS confirmou que a ação atingiu duas filiais no estado do Paraná e uma em Goiás, mas não a sua sede. “Na unidade da Lapa (PR) houve uma medida judicial expedida contra um médico veterinário, funcionário da Companhia, cedido ao Ministério da Agricultura”, dizia o texto.
A JBS afirmou ainda que todas as suas subsidiárias “atuam em absoluto cumprimento de todas as normas regulatórias em relação à produção de alimentos no país e no exterior” e que apoia punições a irregularidades.
A companhia repudia veementemente qualquer adoção de práticas relacionadas à adulteração de produtos – seja na produção e/ou comercialização”, afirmou.
Em fato relevante divulgado à CVM (Comissão de Valores Mobiliários), a BRF também disse que está colaborando com a operação. A companhia destacou que cumpre normas e regulamentações na produção e venda de seus produtos, possui processos de controle rigorosos e não compactua com práticas ilícitas.
“A BRF assegura a qualidade e a segurança de seus produtos e garante que não há nenhum risco para seus consumidores, seja no Brasil ou nos mais de 150 países em que atua”, disse.