Rombo da Eletrobras pode afetar contas públicas em R$ 15 bi
Estatal pode ser obrigada a resgatar ações no mercado americano
POR MARTHA BECK / GABRIELA VALENTE / RAMONA ORDOÑEZ / RENNAN SETTI
16/05/2016 18:58 / ATUALIZADO 17/05/2016 7:40 O GLOBO
BRASÍLIA e RIO – Uma dívida bilionária da Eletrobras se tornou um problema adicional para as contas públicas de 2016. O ministro do Planejamento, Romero Jucá, informou nesta segunda-feira que esse passivo pode acabar tendo que ser incluído no resultado fiscal, aumentando o rombo previsto para o ano. Segundo ele, no cenário mais pessimista, o impacto seria de R$ 40 bilhões. Os técnicos da área econômica, no entanto, acreditam que o número mais provável seja em torno de R$ 15 bilhões. Caso isso ocorra, o déficit primário do governo central (que abrange os números do Tesouro, da Previdência e do Banco Central) vai superar as previsões mais pessimistas até agora, que apontam um rombo de R$ 125 bilhões.
— Estamos avaliando algumas questões. Uma delas é a Eletrobras poder gerar um impacto inesperado nas contas públicas. Em estimativas mais pessimistas, ele pode chegar a R$ 40 bilhões — disse Jucá, ao chegar ontem a uma reunião para tratar do assunto com o ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho.
A Eletrobras precisa publicar seu balanço até 18 de maio, ou seja, nesta quarta-feira, nos Estados Unidos. No entanto, até agora, a empresa de auditoria KPMG não assinou o balanço, que tem pendências, decorrentes da dificuldade da Eletrobras de mensurar as perdas decorrentes do esquema de corrupção revelado pela Operação Lava-Jato. Se o problema não for resolvido, a empresa pode ser obrigada a resgatar os recibos de ações (ADRs) negociados no mercado americano. Isso teria impacto para o Tesouro.
Segundo Jucá, a Eletrobras não conseguirá apresentar seu balanço até o dia 18, mas ainda haverá um prazo para que o problema seja resolvido antes que o resgate das ADRs seja feito. Em teleconferência com analistas, o diretor financeiro da estatal, Armando Casado de Araújo, admitiu que o risco de a empresa não publicar o balanço na data prevista é “elevado”. De acordo com a agência de notícias Reuters, Araújo disse que é preciso avançar mais nas investigações internas sobre o assunto.
Segundo Araújo, o mais provável, se o documento não for entregue, é que a Securities and Exchange Commission (SEC, o órgão regulador do mercado americano) suspenda a negociação das ações da Eletrobras e inicie um processo para deslistagem da companhia na Bolsa de Nova York. Nesse caso, a estatal envidará esforços para entregar o balanço antes que o processo de deslistagem seja concluído, explicou o diretor.
Araújo ressaltou ainda que não há qualquer cláusula de vencimento antecipado associada à não entrega do balanço à SEC ou à deslistagem da Eletrobras na Bolsa de Nova York.
Segundo José Soares, analista da Moody’s, embora a dívida consolidada da Eletrobras seja de aproximadamente R$ 46 bilhões, apenas cerca de R$ 10 bilhões estão em títulos emitidos pela controladora. Este é o montante que estaria exposto a uma eventual obrigação de pagamento antecipado.
– Só esse montante está em bonds e, portanto, sob risco. Da dívida total, uma fatia de 60% está nas mãos de bancos públicos, como BNDES e Caixa. É pouco provável que esses bancos exijam pagamento antecipado. Além disso, a Eletrobras foi muito clara ao afirmar hoje (ontem) que não há nenhum covenant (clásula) nos títulos que preveja antecipação de dívida em caso de ela não apresentar o documento à SEC – explicou.
Soares lembrou que a situação financeira dramática da Eletrobras hoje foi provocada, sobretudo, pela medida provisória (MP) 579, de 2012, que, em troca da renovação das concessões do setor elétrico, impôs queda nas tarifas de energia.
– A Eletrobras foi a única empresa do segmento de geração que aceitou. Com isso, perdeu entre R$ 8 bilhões a R$ 9 bilhões por ano em receitas. Na transmissão, o preço do megawatt-hora foi reduzido de R$ 90 para R$ 30. Foi um mau negócio, um erro – afirmou o analista.
Outro problema para a Eletrobras é a determinação da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para que ela devolva entre R$ 3,4 bilhões e R$ 7 bilhões – a depender dos juros a serem aplicados, o que ainda não foi decidido – ao Fundo da Reserva Global de Reversão (RGR). Para Soares, a companhia não tem condições de quitar esse valor de uma só vez. Por isso ele acredita que, em vez de emitir dívida para quitar esses débitos, a Eletrobras irá negociar com a Aneel para que a amortização leve dez anos.
Mas a companhia pode receber um alívio no seu caixa nos próximos anos em indenizações referentes a investimentos não amortizados em linhas de transmissão antes de maio de 2000. A Eletrobras estima um montante de R$ 32 bilhões.
Qualquer que seja a solução do governo para tirar a Eletrobras da crise, como uma capitalização, a conta chegará em algum momento ao consumidor. Esta é a avaliação de analistas do setor.
– A situação da Eletrobras é a crônica de uma morte anunciada. Não se poderia usar capital da companhia para financiar uma redução artificial de tarifas. E essa conta vai chegar ao consumidor ou ao contribuinte – afirmou o diretor executivo da Safira Energia, Mikio Kawai Jr., referindo-se à redução dos preços de energia em 2012.
Nivalde J. de Castro, coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel) do Instituto de Economia da UFRJ, lembra ainda a forte seca do ano passado, que fez com que a estatal fosse obrigada a comprar energia no mercado de curto prazo a preços elevados para honrar seus contratos, e o envolvimento nas investigações da Operação Lava-Jato, por conta das obras de Belo Monte e da usina nuclear de Angra 3. Outro fator que contribui para os resultados negativos da Eletrobras são as distribuidoras da Região Norte, que representam elevados prejuízos à estatal.
– A Eletrobras tende a perder seu papel como instrumento de política energética do governo, com o fim das grandes obras. E acredito por estar prcisando de recursos o governo vai privatizar muitos desses projetos que tem atualmente – disse Nivalde de Castro.
As equipes dos ministérios da Fazenda e do Planejamento já têm em mãos cálculos que apontam que somente a frustração nas receitas por causa da recessão econômica já chega a R$ 115 bilhões. A meta fiscal do governo central em vigor hoje é de um superávit de R$ 24 bilhões. Assim, a frustração nas receitas já faria com que esse número se convertesse num déficit de R$ 91 bilhões. A esse valor teria que ser somada uma perda de R$ 10 bilhões decorrente da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de permitir que 11 estados calculem suas dívidas com a União por juros simples por 60 dias. Agora, a conta pode ter ainda o passivo da Eletrobras.
Jucá informou que o governo vai incluir na proposta de alteração da meta fiscal uma ressalva informando que um eventual passivo da Eletrobras pode aumentar o rombo das contas públicas de 2016. Segundo o ministro, no entanto, o valor ainda não foi quantificado e, por isso, não haverá um número fechado a ser incluído no projeto de lei que está no Congresso para votação.
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Também se discute incluir uma frustração de receitas com a recriação da CPMF, que não deve se concretizar este ano, e que daria um reforço de R$ 10,1 bilhões ao caixa. Outra possível frustração viria da repatriação, que pode não resultar nos R$ 35 bilhões esperados este ano.
Os técnicos explicam que o que está sendo avaliado agora é se o governo vai pedir ao Congresso que aprove uma alteração da meta que preveja todas as possíveis frustrações de receitas e despesas potenciais no ano, a fim de dar um sinal realista ao mercado. Segundo Jucá, a votação precisa ocorrer até a próxima semana. É provável que ela ocorra amanhã.
Sem a meta alterada, a equipe econômica terá que fazer um corte de despesas superior a R$ 30 bilhões. Como já foi feito um contingenciamento de R$ 44,6 bilhões este ano, a tesourada chegaria a quase R$ 75 bilhões, levando à paralisação da máquina pública.
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