Uruguai, discreto milagre democrático que deveria ser exemplo para vizinhos

Uki Goñi*
Internacional New York Times
Em Montevidéu (Uruguai)

“Porque ninguém aqui é melhor do que ninguém.” A frase, uma das mais prezadas no Uruguai, este pequeno país sul-americano, data do século 19 e costuma ser repetida por seus pensadores, presidentes e cidadãos comuns. Como uma expressão simples do espírito democrático, ela resume como os uruguaios se sentem em relação à sua pátria.

Com apenas 3,3 milhões de habitantes, o Uruguai é um dos menores países em termos populacionais na América Latina. Em comparação, seu vizinho gigante, o Brasil, conta com mais de 200 milhões de habitantes. Mas o que lhe falta em números, o Uruguai compensa ao se classificar como o país menos corrupto e mais democrático da América Latina –assim como apenas um dos dois, juntamente com o Chile, considerados países de “alta renda” pelas Nações Unidas.

O Uruguai costumava ser conhecido como a “Suíça da América do Sul”, em parte por causa de suas regras de sigilo bancário. Mas a frase também remete ao profundo respeito pelo Estado de Direito.

Em uma região onde a democracia está sendo cada vez mais testada pela má gestão econômica, pela corrupção política, cartéis das drogas e crises ambientais, o Uruguai é o único país latino-americano classificado entre as 20 “democracias plenas” do mundo, segundo o índice de democracia de 2015 da revista “The Economist” –à frente até mesmo, em uma posição, dos Estados Unidos.

O nacionalismo passional que predomina em outros lugares, com frequência explorado por líderes populistas que buscam se agarrar ao poder além de seus mandatos presidenciais, é agradavelmente ausente no Uruguai. É uma preferência que os vizinhos do Uruguai fariam bem em copiar.

“Nação não é uma palavra que usamos com frequência”, diz o historiador uruguaio Gerardo Caetano. “Preferimos república.”
Talvez por causa disso, o Uruguai obteve notas 10 perfeitas nos índices de liberdades civis e processo eleitoral, um feito igualado apenas pela Noruega e Nova Zelândia. A Argentina e o Brasil, por exemplo, estão muito abaixo, em 50º e 51º lugares –entre as “democracias falhas” do mundo, uma condenação lamentável das duas potências econômicas orgulhosas, porém desregradas.

Mas há uma falha no retrospecto do Uruguai, uma que deixou uma marca histórica. Durante o período colonial, o porto da capital, Montevidéu, foi um centro do comércio de escravos na América do Sul. Hoje, o país conta com uma grande comunidade afro-uruguaia: cerca de 10% da população são descendentes de escravos.

Fernando Nuñez, um percussionista, vive na mesma casa para a qual seus antepassados, escravos africanos libertos, se mudaram em 1837. Ele adora falar sobre tocar na Filarmônica de Berlim ou de sua orquestra de percussão que se apresenta na época do Carnaval. Mas sua paixão também é despertada pelo racismo que ainda vê aqui. Apesar de ser um artista conhecido em Montevidéu, Nuñez diz notar uruguaios brancos às vezes atravessarem para o outro lado quando ele está caminhando pela rua.

Fora essa mancha, “somos uma sociedade extremamente liberal”, diz Fernando Cabrera, um dos principais artistas do Uruguai. “É nosso legado. Durante a primeira metade do século 20, o Uruguai era uma maravilha singular, ainda mais progressista do que hoje.”

Ele se refere ao programa de reforma liberal liderado pelo presidente José Batlle y Ordóñez, que ajudou a criar uma sociedade unicamente igualitária em um continente onde o contraste acentuado entre ricos e pobres é a norma. Seu Uruguai promoveu avanços sociais impensáveis em outros lugares na época, incluindo, em 1913, uma lei de divórcio que concedia ao casal o divórcio mesmo que apenas a pedido da mulher. Dizer que os outros países na região estavam atrasados em comparação seria uma atenuação. O Chile legalizou o divórcio há apenas 12 anos.

Esse legado moldou o Uruguai moderno. Em 2012, em uma decisão histórica, ele se tornou apenas o segundo país da América Latina (além de Cuba) a legalizar o aborto. Há três anos, o Uruguai se tornou o primeiro país do mundo a legalizar a venda de maconha.

Essa utopia é possível apenas devido ao que o professor Caetano chama de o “contrato social” que distingue o Uruguai. Os uruguaios parecem ter um acordo tácito de resolver as diferenças nas urnas, em vez de lotar as praças de pessoas para testar o peso das facções de oposição, como acontece na Argentina.

“No Uruguai, os partidos políticos são mais importantes que os movimentos sociais”, ele diz. Os uruguaios têm uma desconfiança saudável de líderes carismáticos, messiânicos, o que os preserva do flagelo de presidentes que prolongam de forma dúbia seus mandatos, como vimos na Venezuela, Equador e Bolívia nos últimos anos. “Não temos aquele senso de política épica, apenas uma democracia tediosa”, diz o professor.

A mesma moderação é evidente na relação do Uruguai com a religião. Pergunte a qualquer um aqui o que distingue seu país dos demais na América do Sul e a resposta será quase invariavelmente, “nosso laicismo”.

Apesar de fazer parte do continente de maior população católica do mundo, o Uruguai vê de forma diferente os feriados religiosos: o Natal é conhecido oficialmente como “Dia da Família”, a semana da Páscoa é tratada por quase todos como “Semana do Turismo” e o feriado de 8 de dezembro, celebrado em outras partes como Nossa Senhora da Imaculada Conceição, é o “Dia de Praia”, devido à Constituição de 1919 e de uma lei aprovada naquele ano romperem os laços da era colonial entre o Estado e a religião. Até mesmo a onda de entusiasmo provocada pela escolha de um papa sul-americano, quando o ex-cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio se tornou o papa Francisco há três anos, não alterou os instintos seculares do Uruguai.

“Eu não fui à missa inaugural do papa Francisco”, me disse José Mujica, o ex-presidente do Uruguai, em uma entrevista em 2014, quando ainda estava no cargo. “Por que deveria? O Uruguai é um país laico. Eu respeito Francisco como pessoa e líder religioso, e o visitei de forma privada posteriormente. Mas eu não tinha nenhuma razão oficial para estar ali.”

Enquanto passava pelo porto de Montevidéu, pilhas intermináveis de turbinas eólicas aguardando para serem montadas chamaram minha atenção. Em menos de uma década, o Uruguai se tornou um líder continental em energia renovável –produzindo no ano passado 95% de sua eletricidade a partir de fontes renováveis e reduzindo de forma acentuada sua dependência de petróleo importado, que antes representava 27% de suas importações.

É uma ilustração concreta de como o Uruguai, por esforço próprio, se transformou em uma das nações mais progressistas do mundo. Sua vizinha, a Argentina, cuja ventosa região da Patagônia clama por fazendas eólicas, está em vez disso seguindo em frente com fraturamento hidráulico e novas usinas nucleares.

A América Latina tem muito a aprender com o pequeno Uruguai.

*Uki Goñi é o autor de “A Verdadeira Odessa: O Contrabando de Nazistas para a Argentina de Perón”

Nota Original : International New YOrk Times
Tradutor: George El Khouri Andolfato
http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/the-international-new-york-times/2016/02/14/uruguai-tem-discreto-milagre-democratico-que-deveria-ser-exemplo-para-vizinhos.htm

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